Abstrato do artigo em português

MOURA sinopse: A história do Carnaval de Salvador permite distinguir períodos em que a
>insinuação ou a dicção explícita da singularidade é a tônica e outros em
>que a tendência parece ser a relativização ou mesmo a diluição das
>especificidades formais. Este trabalho procura identificar, na história
>recente do Carnaval de Salvador, um período de dicção aguda de
>singularidades, entre o final dos anos 60 e o final dos anos 80, e o
>momento presente, em que um movimento de homogeneização é marcante. Para
>tanto, procura delinear brevemente os contornos próprios daqueles modelos
>de organização que podemos tomar, aqui, como os sujeitos coletivos da
>festa. A dicção das identidades no Carnaval é circunstancializada e
>ocasionada pelos modelos de organização carnavalesca, que por sua vez
>experimentam uma relação tensa desenvolvem diante dos seus públicos. Estes
>modelos viabilizam a dicção musical das identidades no Carnaval e, em
>contrapartida, são plasmados e reconhecidos pelos seus interlocutores
>sobretudo a partir dos textos musicais que estão continuamente emitindo.
>Neste sentido, passamos em revista composições representativas desses
>momentos desses modelos, supondo que nestas obras está consubstanciado,
>esteticamente, o itinerário tematizado. Vale explicitar que as canções não
>comparecem ao texto apenas como “exemplos”, mas como dicção propriamente
>dita do drama em foco. A prática constante de cantar estes trabalhos
>equivale também à representação da experiência do Carnaval, que por sua vez
>recapitula e contribui para conferir o significado de toda a experiência
>social extensa – ou seja, aquilo que ultrapassa as fronteiras cronológicas
>do Carnaval -, como também aquilo que, mesmo compondo a prática da grande
>festa, pode parecer “menos carnavalesco”, ou seja, não ser
>convencionalmente representado como carnavalesco. E, em construindo e
>consubstanciando significados, as práticas musicais organizam um sistema de
>reciprocidade significativa que só pode ser apreendido na própria
>relacionalidade, ou seja, jamais tomado como um conjunto de esquemas
>formais que fariam sentido por si sós. Assim, o conjunto de composições utilizadas durante o Carnaval não é apenas “uma produção” para o Carnaval. Pode ser tomado como o centro da festa,
desde que se considere a teia de relações e significados constituída em torno da música, o que não pode vigir se o Carnaval é recortado como objeto
de pesquisa de forma a desconectá-lo de seus sujeitos e dos projetos
respectivos. Objeto este que não pode não corresponder às práticas
musicais, mesmo que estas práticas recebam nomes que pareceriam “menos
estéticos”. A exposição deste texto segue uma ordem preferentemente cronológica. Cabe
>observar um desnível gritante entre a quantidade de estudos sobre os blocos
>afro, por exemplo, e os modelos anteriores cultivados pela população
>negro-mestiça de Salvador, ou mesmo entre os blocos afro e os blocos de
>classe média que atualmente hegemonizam a cena musical desta parte do
>mundo. A pesquisa sobre o Carnaval de Salvador tem se atido a alguns ícones
>sobressalientes, o que certamente não contribui para uma reflexão comparada
>que poderia enriquecer a própria compreensão dos modelos tomados em sua
>singularidade. Finalmente, convém advertir que a análise contida neste texto se ressente
>da ausência do componente propriamente musicológico. Uma abordagem mais
>completa, integrando vários olhares sobre o objeto em questão, extrapolaria
>as dimensões do texto. Milton Araújo Moura